Ivo Mortani Jr, Psicólogo Clínico
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Nos relatos de participantes do Instituto Movere, principalmente dos projetos para prevenção e tratamento da obesidade infantil, são encontrados diversos aspectos que se enquadram na situação de desagregação familiar. Dentre estes aspectos, os mais comuns estão relacionados à separação dos pais, alcoolismo, drogadição, pai ou mãe ausente e morte de um ente querido.
Dos relatos dos grupos mencionados, encontramos entre 97 famílias participantes, uma porcentagem de 50% destas famílias apresentando os aspectos citados acima relacionados à desagregação familiar.
Nos atendimentos voltados para prevenção e tratamento da obesidade infantil sempre se destacam diferentes variáveis relacionados ao ambiente familiar, encontramos características de superproteção, rigidez, falta de limites, entre outros. E a importância do ambiente familiar em relação à obesidade fica evidente em diversos estudos, sendo que os achados apontam a ingestão excessiva de alimentos como mecanismo de compensação ou defesa, sempre como conseqüência de perdas afetivas e pela desagregação familiar.
O que aparece de relevante em diversos estudos e também é significativo no Movere, são os aspectos de drogadição e alcoolismo de familiares acarretando em comorbidade elevada, aparecendo como fatores desencadeadores ou de manutenção de um quadro obesogênico.
Também encontramos em muitas destas famílias à falta de um hábito de constância de afeto para com as crianças e até mesmo a culpabilidade das mesmas quando se trata do excesso de peso. Estes aspectos, somados ao sentimento de insegurança da criança devido à percepção de fatores desestruturantes dentro da própria família é o que pode gerar estresse e ansiedade, já que a família deveria representar uma fonte de proteção e apoio. Neste ponto que entra o mecanismo de compensação ou defesa por meio da ingestão excessiva de alimentos.
Não significa que é comprovado que a desagregação familiar está diretamente associada ao ganho de peso, mas se revela como uma evidência significativa, sendo que representa porcentagem expressiva dentre os aspectos relatados pelas famílias.
Nestes casos, uma intervenção psicológica que envolva toda família é fundamental para conscientização, permitindo que pais, mães e cuidadores reconheçam e entendam a importância de um ambiente familiar adequado para o desenvolvimento emocional da criança.
É o que procuramos estabelecer nos atendimentos psicológicos realizados no Movere.
Nos encontros com pais, mães, cuidadores, crianças e adolescentes é criado um espaço de opiniões para exercitar valores de tolerância, paciência e respeito, por meio de atividades que exijam a participação de todo grupo, apontando ideias ou soluções acerca de um problema, evitando-se críticas e julgamentos. São atividades para refletir sobre os traços de personalidade herdados da família; para avaliar a valorização que damos à nossa história de vida pessoal, baseada nos valores e comportamentos familiares; e de que percepção cada um tem do espaço social chamado família e como ele pode influenciar em nossas atitudes.
Para os pais, mães e cuidadores é possibilitada uma reflexão e o compartilhar de ideias sobre as atitudes, comportamentos e orientações adequados aos seus papéis, e de como uma mudança de comportamento pode gerar os resultados esperados em relação ao tratamento. Assim eles podem reconhecer como certos comportamentos excedem o controle, impedindo o desenvolvimento emocional e motor, gerando crianças dependentes. Além de apresentar algumas situações e diferenças entre atitudes de autoridade e autoritarismo e como o entendimento destas diferenças podem melhorar ou agravar os relacionamentos entre pais e filhos.
Para as crianças e adolescentes, os encontros apresentam que é possível entender as relações sociais através do que sentimos e pensamos, de como são diferentes estas atitudes (pensar e sentir), e que podemos fazer melhores escolhas prestando muita atenção nestes aspectos, proporcionando o entendimento de que cada ser humano pode funcionar de determinada maneira e dar significados diferentes para cada situação.
Mesmo não se comprovando uma relação direta entre a desagregação familiar e a obesidade infantil, identificamos por meio dos relatos das famílias que participaram dos atendimentos realizados no Movere, como a conscientização sobre a importância do ambiente familiar e do impacto dos aspectos desagregadores, promoveu melhoras significativas no tratamento e a prevenção da obesidade infantil.